Devaneios relativistas de uma noite sem sono
Quando vemos um carro nos ultrapassar na estrada, logo pensamos que ele está em uma velocidade maior que a nossa.
Essa simples afirmativa esconde o fato de estarmos considerando que o tempo é o mesmo para os dois, e que a distância entre dois pontos também é a mesma para os dois.
Talvez o tempo seja uma das maiores certezas erradas da sociedade. Costumamos ver o tempo como se ele tivesse uma progressão constante e homogênea para tudo e todos, e em qualquer lugar. Essa posição pode ser considerada egocentrista e até mesmo narcisista. Nós refletimos no mundo exterior nossa noção de tempo, e acreditamos cegamente que ele é o mesmo.
Essa "verdades" parecem bem estáticas, mas são apenas formas de ver o mundo.
E se a velocidade das coisas fosse considerada uma constante por nós? Nesse caso, um veículo que nos ultrapassa estaria simplesmente com menos tempo que nós, ou então com mais espaço.
Escrevo isso pensando nas idéias de "multinaturalismo" em contra-posição ao "multiculturalismo". As coisas podem ser vistas de ângulos diferentes, mas no fundo a natureza é a mesma, segundo uma visão "multicultural". Mas, e se as visões forem as mesmas, e as naturezas que forem diferentes?
Como disse Viveiros de Castro, um jacaré pode ver o homem como bicho tanto quanto o homem o vê como tal. Somos muito prepotentes e arrogantes ao achar que a natureza que vemos, interpretamos, modelamos e entendemos é a mesma para todos os seres e situações.
Vivemos em uma ditadura democrática da verdade. Muitas propostas, teorias, versões, idéias, etc..podem se candidatar a verdade. Serão comparadas, analisadas, estudadas, e colocadas a prova frente as verdades já instituídas. Caso elas vençam essas etapas, poderão se sentar no trono das verdades. Ganharão o título de juiz, e passarão a julgar friamente novas candidatas a realeza.
Pórem, toda ditadura um dia caí. Todo estado totalitário um dia se enfraquece. Assim também acontecerá com as verdades. Serão eternas enquanto duras. Em alguns momentos, seus modelos não servem para aceitar várias novas candidatas a verdade que começam a crescer e a ganhar popularidade entre o povo (ou a comunidade científica). Esse cenário é muito propício a uma revolução. As antigas verdades não provarão mais nada! O rei estará nu! E novas verdades absolutas, como um monarca feudalista, receberão a graça divina e serão reconhecidas como verdades, ou mais popularmente falando, natureza.
Sim! Novos Monarcas! A história nos ensina que após períodos conturbados de revoltas e revoluções, o que se vê depois são governos ainda mais totalitários. E a mesma coisa acaba acontecendo com nossas mentes positivistas, que instituirão novas verdades axiomáticas, esquecendo-se da fragilidade que esse posto mostrara com o ocupante anterior.
Vamos pensar que verdades são como andares de prédios, que precisam que o de baixo esteja feito para que o novo seja feito apoiado no anterior. Buscando descer "andares de verdades", chegaremos a algumas não muito bem explicadas. Dogmas religiosos, fé em algum fenômeno científico obscuro, etc...Sempre o andar térreo será o mais frágil, e acima dele construímos sistemas cada vez mais complexos, e criamos cada vez mais critérios seletivos (baseados nos andares já existentes) para que novos andares sejam colocados.
Pois bem, e se fossemos usar esses mesmos critérios com o andar térreo? Ele certamente cairia. Assim, como ele cairíam todos os outros andares, inclusive aqueles que serviram para criar os "critérios seletivos", que nesse momento também cairiam. Mas... se os "critérios seletivos" cairam, então não temos mais nada para derrubar o térreo! Sua derrubada implica na derrubada de seu algoz!
Nesse momento entramos em um paradoxo! Para que nosso mundo não entre em colapso, Godel diz: "se o sistema é consistente, sua consistência não pode ser demonstrada dentro do sistema". Ou seja, para construir um mundo sobre determinada lógica, esse mundo não pode ter sua lógica provada.
Isso parece ilógico, não?